Licenças de mineração fraudadas e propina: entenda a investigação que levou à prisão do diretor da Agência Nacional de Mineração
17/09/2025
(Foto: Reprodução) Entenda como funcionava esquema de corrupção no setor de mineração
A Polícia Federal (PF) deflagrou nesta quarta-feira (17) a Operação Rejeito, contra um suposto esquema de corrupção no setor de mineração em Minas Gerais.
Entre os presos estão o diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM) Caio Mário Seabra. A Justiça Federal mandou prender outras 21 pessoas e bloquear R$ 1,5 bilhão dos investigados.
Segundo a investigação, o grupo corrompia servidores para liberar autorizações ambientais fraudulentas, explorava minério de ferro em áreas tombadas e de preservação e lavava dinheiro por meio de dezenas de empresas de fachada.
Quais os crimes pelos quais eles são investigados?
Segundo a PF, os alvos respondem pelos crimes de organização criminosa, corrupção ativa e passiva, e lavagem de dinheiro, além de crimes ambientais e contra a ordem econômica.
Como funcionava o esquema?
📃 Obtenção de licenças
O grupo atuava para que empresas conseguissem licenças ambientais de mineração fraudulentas.
Em um identificado pelas investigações, a mineradora Gute Sicht obteve uma autorização para exploração de minério usando uma certidão de dispensa de licenciamento ambiental que estava em nome de outra empresa.
Apesar disso, a licença foi liberada no dia de Natal por Guilherme Santan Lopes Gomes, então diretor da ANM em tempo recorde, segundo a investigação. O pedido, segundo as investigações, tramitou em setor diferente do que deveria e desconsiderou as manifestações da Advocacia Geral da União (AGU) que apontavam para existência de irregularidades no licenciamento ambiental.
Gomes foi alvo de mandado de prisão na operação desta quarta. Numa investigação anterior, ele havia sido indiciado por prevaricação, mas não foi denunciado porque o Ministério Público entendeu que faltavam mais elementos para tanto.
📌 Apropriação de rejeitos da Vale avaliados em mais de R$ 200 milhões
Além das obtenções licenças, a investigação identificou uma operação para que a Aiga Mineração S.A. – alvo de buscas na operação nesta quarta – se apropriasse indevidamente, segundo a PF, de uma pilha de rejeitos avaliada em R$ 200 milhões.
Primeiro, segundo as investigações, o gerente regional da ANM em MG, Leandro César Ferreira, assinou uma nota técnica que desvinculou a pilha do seu antigo proprietário. Depois, Caio Seabra, diretor da ANM, votou a favor da Aiga – e contrário aos pareceres técnicos – em uma reunião colegiada do órgão.
Segundo as investigações, Caio manteve contado direto com João Alberto Lages, que é descrito como liderança da organização criminosa, sobre o caso.
🤝 Pagamento de propina
Segundo as investigações, a emissão de licenças irregulares e outros atos de interesse da organização criminosa eram feitas mediante o pagamento de propinas.
No caso da transferência da propriedade da pilha de rejeitos, as investigações apontam haver indícios de que tenha havido sido o pagamento de R$ 2,7 milhões por João Alberto e Alan Cavalcante, apontado como uma espécie de diretor-geral da organização criminosa, para o diretor da ANM, na casa dele, em 5 de dezembro de 2024.
💸 Lavagem de dinheiro
Segundo a investigação, ao menos 42 empresas foram criadas como fachada para ocultar a origem ilegal dos recursos movimentados pela organização e para fazer o pagamento de propinas sem revelar quem eram os seus beneficiários.
O esquema tinha, pelo menos quatro camadas sobrepostas de empresas para dificultar a identificação da origem do dinheiro.
Essa parte da quadrilha, segundo as investigações, era o núcleo administrativo-financeiro, composto por cinco investigados, e capitaneado por Noêmia dos Santos, apontada como diretora.
Além de sócia de Alan, apontado com o diretor-geral da organização criminosa, Noêmia abria e operava as empresas, usando-se inclusive de falsificação das assinaturas. Ela contava com o apoio, segundo as investigações, de Felipe Lombardi Martins e Jamis Prado de Oliveira Júnior, apontados como responsáveis por fazer os saques e transportes de valores, além do pagamento das vantagens aos servidores públicos.
🌳 Interferência em órgãos ambientais
A investigação também mostra que o grupo buscou impedir a tramitação de projetos de lei da Assembleia Legislativa de Minas Gerais que tratam da criação de unidades de conservação na Serra do Curral, como o Parque Nacional e o Monumento Natural, por entender que essas medidas inviabilizariam seus empreendimentos.
A PF identificou diálogos envolvendo João Alberto – líder da organização – e Gilberto Henrique Horta de Carvalho, apontado como um articulador da organização criminosa, para impedir o andamento de uma proposta que criaria o Monumento Natural da Serra do Curral.
A investigação apontou que o projeto foi efetivamente baixado após a atuação de Gilberto que, então, pediu para "tomar um café" com João. Para a PF, tratava-se de uma oportunidade para recebimento de pagamentos ilegais.
O que a Justiça decidiu
A 3ª Vara Criminal Federal de BH autorizou um pacote de medidas:
Prisões preventivas de líderes, articuladores, operadores e servidores por garantia da ordem pública e econômica e risco de reiteração;
Afastamento de agentes de FEAM/IEF/Copam;
22 buscas e apreensões em residências, empresas e gabinetes, com acesso a mídias, documentos e valores;
Bloqueio de bens e contas — com tetos individuais na casa de centenas de milhões (e, para um escritório citado, R$ 3 milhões ligados a uma suposta intermediação);
Suspensão de atividades de 42 empresas;
Quebra de sigilo fiscal (2020–2025) e compartilhamento de provas com CGU e Receita.
Polícia Federal cumpre 22 ordens de prisão e 79 mandados de busca e apreensão em Minas Gerais