Gravidez de homens trans altera modo como a Saúde deve cuidar de pessoas gestantes

  • 27/10/2025
(Foto: Reprodução)
O artista Beijamin Aragão relata os desafios que enfrentou ao gestar seu filho A transgeneridade modifica a forma como são vistos socialmente os corpos, os sexos e até as famílias. Com útero, homens trans ampliam as definições da palavra “gestante”, que precisa ser atualizada ainda nos dicionários mais famosos. A nova forma de gestar, contudo, ainda busca romper o cordão umbilical que liga a sociedade à visão limitada de quem pode gerar uma criança. 🏳️‍⚧️ Esta é a segunda reportagem da série “Saúde Transformada” publicada no g1, que mostra as diversas questões que envolvem as pessoas trans e o acesso à saúde. ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Ceará no WhatsApp Para quem não imaginava engravidar, o artista e assistente audiovisual Beijamin Aragão se deparou com um cenário novo no ano passado, quando descobriu que estava gestando uma criança. “Não era algo que passava pela minha cabeça porque, na época, eu fazia o uso de testosterona. Então, não era algo que eu imaginava que poderia acontecer comigo”, disse Beija, como é conhecido. Em 2025, ele, que é um homem trans, se tornou pai de uma criança, fruto da relação com a produtora cultural, Ella Monstra, que é travesti. Os desafios da paternidade, no entanto, começaram para Beija ainda na fase da gravidez. Ele, que precisava se adaptar às (novas) mudanças no corpo, tinha ainda de lidar com todas as barreiras sistêmicas — que consideram a gravidez apenas de mulheres cisgênero. O artista e assistente audiovisual Beijamin Aragão segura o filho, Caju. Arquivo pessoal Beija possui plano de saúde, e a falta de entendimento sobre a gravidez de homens trans se estendia da recepção onde ele precisava marcar uma consulta ao sistema do plano que não considera o gênero masculino nas questões envolvendo as gestações. “No plano, a maior dificuldade foi o sistema entender a possibilidade de um homem trans engravidar, porque eu já sou retificado, todos os meus documentos já são retificados enquanto gênero masculino, e o próprio plano não me possibilitava a possibilidade, por exemplo, de marcar um consulta com uma obstetra”, reclamou o artista. “Eu tive que ir lá na central deles, eles alteraram o meu gênero, de masculino para feminino, para eu conseguir acessar o sistema e conseguir marcar uma consulta com uma obstetra”, lamentou Beija. Um artigo publicado na “Physis: Revista de Saúde Coletiva”, inclusive, apontou que são complexas as experiências nos serviços de saúde de homens trans que desejam engravidar. A produção foi realizada por pesquisadores das universidades Federal do Ceará (UFC), Estadual do Ceará (Uece), Pitágoras Unopar Anhanguera de Limoeiro do Norte (CE) e do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). "No país, [a quantidade de] pesquisas sobre saúde reprodutiva de homens trans é incipiente, o que reflete a sociedade brasileira ainda moralista e conservadora, que tenta apagar a vida de pessoas trans e nega seus direitos reprodutivos", disse a produção acadêmica intitulada "Saúde reprodutiva e gravidez de homens transgênero: revisão de escopo". O artista e assistente audiovisual Beijamin Aragão, que é um homem trans, se tornou pai em 2025. Ismael Soares/SVM As violações que Beija passou durante a gestação não findaram quando ele deu à luz. Ainda na maternidade, mais uma burocracia impediu a família de plenamente comemorar o nascimento. “Quando a criança nasce, ela recebe uma Declaração de Nascido Vivo [DNV]; e ela é relacionada à pessoa que pariu”, disse Beija. “Só que nem o plano, nem o Sus, tinham essa declaração voltada para pessoas trans; somente para pessoas cis. Então, quando a gente foi registrar, teve uma pequena complicação, que foi: eu pari, mas eu não era a mãe. A mãe era Ella. E aí, teve ali aquela complicação do plano de entender que eu era o pai, mas que tinha sido a pessoa que pariu”, comentou. Burocracia violenta Lui lamentou burocracia que custou um ano para conseguir registrar a própria filha. Para o artista e produtor audiovisual Lui Fontenele, as violências maquiadas de burocracia iniciaram principalmente após o parto da filha dele. Em 2023, Lui também estava em uma relação transcentrada (quando as duas ou mais pessoas são trans). À época, o g1 noticiou os desafios que Ellícia Maria, travesti e mãe da criança, sofria para registrar a filha. Quando deu à luz, Lui ainda não possuía todos os documentos retificados (com o gênero alterado); apenas o RG. “E aí, na declaração de nascido vivo da criança, saiu o meu ‘nome morto’ [de batismo]. Só que todo o meu prontuário médico, durante todo o meu acompanhamento no pré-natal, eu estava com o meu nome social, eu estava com o meu nome Lui. Mas na declaração de nascido vivo não tinha ainda o meu nome real”, lamentou. Após o nascimento, o produtor audiovisual conseguiu a retificação. Lui então decidiu procurar a Justiça, com auxílio da Defensoria Pública do Ceará, para ter acesso a um direito fundamental de todos os pais: registrar a própria filha. O multiartista Lui Fontenele ao lado da filha, Zuri. Arquivo pessoal “A gente precisou entrar com uma ação judicial para conseguir que o cartório fizesse a certidão de nascimento, porque o hospital se recusou a entregar uma nova declaração de nascido vivo da minha filha, depois que eu estava com a minha certidão retificada”, comentou. Então, a gente passou um ano enfrentando vários problemas para conseguir trazer o mínimo de cidadania da nossa filha, como por exemplo, ir no posto de saúde e dar as primeiras vacinas. O problema vivido por Lui e Beija poderia ter sido evitado, pois os casos vão contra a recomendação do Ministério da Saúde, que atualizou, em 2022, as instruções de preenchimento da DNV substituindo os termos "pai" e "mãe" por "responsável legal" com o objetivo de incluir casais trans e outros grupos que não eram então contemplados. O multiartista Lui Fontenele teve de esperar um ano para conseguir registrar a própria filha. Kid Junior/SVM Após um ano de batalha judicial, a sentença chegou quase que como um presente de aniversário para a criança — e alívio para os pais. No meio desse tempo, Lui contou com a boa ação de profissionais que fugiram às regras. “Por boa vontade do posto de saúde, a nossa filha não perdeu nenhuma vacina, mas poderia ter acontecido se eles se recusassem a dar a caderneta de vacinação porque a nossa filha não tinha um documento a nível nacional. Ela era uma indigente, praticamente”, reclamou. Ignorância prejudica atendimento A compreensão e empatia que Lui encontrou no posto de saúde onde levava a filha para vacinar eram exceção em cenários de violências cotidianas. Conforme o artigo publicado na Physis, os pesquisadores apontaram que o despreparo dos profissionais de saúde no que diz respeito à temática gênero, o pouco respeito às identidades e especificidades da população LGBTQIA+ que servem de barreiras de acesso e afastam ou fazem com que as experiências de homens trans nos serviços de saúde sejam negativas. "As pesquisas apontam cada vez mais o número crescente de homens trans que desejam constituir família e vivenciar a parentalidade. Porém os mesmos não encontram nos serviços de saúde espaços que compreendam o conceito de gênero e acolham suas demandas identitárias", destacou a produção acadêmica. "A maior limitação apontada está nos profissionais de saúde que desconhecem o que é gênero, têm visões conservadoras e trazem isso para o seu trabalho e não conseguem visualizar pessoas trans como sujeitos que podem constituir família", complementou o artigo. A obstetriz Juliana Mesquita trabalha há 12 anos na área e já acompanhou gravidez de homens trans. Thiago Gadelha/SVM O despreparo é testemunhado diariamente por Juliana Mesquita, obstetriz que já acompanhou o parto e a gestação de homens trans. “Eu sempre lembro de uma palestra que eu dei para um auditório com muitos profissionais de saúde, e quando eu fui falar sobre acompanhamento de uma gestação transcentrada, basicamente os profissionais ficaram tipo ‘Como assim, o que é isso?’”, comentou Juliana. Juliana explicou que há muitas similaridades entre a gestação de homens trans e mulheres cis, mas são as especificidades que demandam atenção. “Tem na cartilha do Ministério da Saúde que, em toda consulta pré-natal, a gente precisa falar sobre amamentação, incentivar o aleitamento materno. Quando eu penso numa gestação de um homem trans, pode ser que ele queira amamentar, pode ser que ele não queira amamentar, ou pode ser que ele seja mastectomizado. Então, tem todas essas possibilidades”, detalhou. “Então, é preciso fazer um aconselhamento inclusive, porque, por exemplo, se eu tenho um homem trans que não fez a mastectomia e que não quer amamentar, o leite vai descer, porque o corpo não escolhe. E a gente precisa usar medicamentos para inibir essa lactação, porque senão o peito vai encher e pode fazer uma mastite [inflamação das mamas]”, complementou a obstetriz. Ações na saúde pública O g1 procurou as secretarias de Saúde de Fortaleza e do Ceará para questionar quais ações são feitas para ampliar e reforçar a inclusão de homens trans nas unidades de saúde pública — principalmente com relação ao processo gestacional. A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) disse que segue as diretrizes do Ministério da Saúde (MS) para garantir atenção integral, humanizada e equânime a todas as pessoas que gestam, conforme preconiza a Rede Alyne. “A SMS tem desenvolvido ações voltadas ao reforço da inclusão, ao respeito à diversidade de gênero e ao acesso de pessoas trans aos serviços de saúde. Entre as iniciativas, destaca-se o avanço na adaptação dos sistemas de prontuário eletrônico para o registro da identidade de gênero”, declarou a pasta. O órgão informou ainda que o pré-natal é ofertado em todas as 134 Unidades de Atenção Primária à Saúde (UAPS) de Fortaleza, assegurando acolhimento, realização de exames e acompanhamento qualificado a todas as pessoas que gestam, com respeito às suas especificidades e garantia do cuidado integral e dos direitos fundamentais. Já a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) disse que o atendimento realizado nas unidades da Rede Sesa é universal, gratuito e destinado a todos, sem qualquer tipo de distinção ou discriminação. “Os hospitais da Rede Sesa são unidades de referência em média e alta complexidade. Na atenção obstétrica, o atendimento é voltado especialmente ao atendimento de pacientes que demandam cuidados especializados, garantindo assistência integral e humanizada a toda a população cearense”, informou o órgão estadual. Gravidez de homens trans: entenda detalhes desse tipo de gestação. Assista aos vídeos mais vistos do Ceará

FONTE: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2025/10/27/gravidez-de-homens-trans-altera-modo-como-a-saude-deve-cuidar-de-pessoas-gestantes.ghtml


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