Assassinato de ex-vereadora de Piracicaba envolveu desavença com 'braço direito' e expulsão de comunidade, diz investigação
27/10/2025
(Foto: Reprodução) Madalena, ex-vereadora de Piracicaba
Fernanda Zanetti/G1/Arquivo
O assassinato da ex-vereadora Madalena Leite, em Piracicaba (SP), em 7 de abril de 2021, envolveu desavença com um "braço direito" dela, a expulsão dele da comunidade e, depois, um plano de vingança. É o que apontam as investigações contra os três acusados pelo crime, que estão presos e vão a júri popular no próximo dia 19 de novembro.
Os detalhes sobre o motivo do crime estão na denúncia oferecida pela Justiça pelo Ministério Público (MP-SP), à qual o g1 teve acesso. Segundo o documento, Madalena era líder de um centro comunitário no bairro Boa Esperança, e um dos acusados pelo crime era seu "braço direito" nessa função.
No entanto, em determinada ocasião, houve um desentendimento entre os dois, e ele foi expulso da comunidade por Madalena, também conforme as apurações.
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Após isso, com a intenção de se vingar da ex-vereadora e tomar a liderança da comunidade, o acusado decidiu matá-la, diz a acusação. Para colocar o plano em prática, contatou os outros dois réus, que concordaram em participar do crime.
A denúncia aponta que, no dia dos homicídios os três foram até a casa de Madalena, e o ex-parceiro a chamou. Como ela o conhecia, abriu o portão. Então, outro acusado pegou a vítima pelo pescoço. Ela conseguiu se desvencilhar, mas o terceiro réu passou a golpeá-la na cabeça com uma arma branca, detalham as investigações.
Após isso, os três fugiram. Madalena não resistiu aos ferimentos e morreu no local. Ela tinha 64 anos.
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Qualificadoras
Responsável pela acusação, o promotor Aluisio Antonio Maciel Neto considerou que há duas qualificadoras, que são fatores que podem levar ao aumento das penas pelo crime.
Motivo torpe - A Promotoria aponta que o crime foi cometido por motivo torpe porque um dos acusados pretendia se vingar da vítima por ter sido expulso da comunidade e porque desejava ser o líder do centro comunitário;
Recurso que dificultou a defesa - O promotor também aponta que o crime foi cometido mediante emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, pois foi atraída para abrir a porta após ser chamada pelo ex-parceiro, mas foi surpreendida e atacada pelos outros dois réus, que diminuíram a possibilidade de oferecer uma reação eficaz.
O MP ainda aponta como agravante o fato do crime ter sido cometido contra pessoa com mais de 60 anos.
Trio apontado como autores do homicídio contra Madalena já havia sido preso pelo assassinato de outro homem, no mesmo bairro
Polícia Civil
Relação de trio com outro homicídio
Nove dias após o crime, policiais da Divisão Especializada em Investigações Criminais (Deic) de Piracicaba divulgaram o esclarecimento do assassinato.
Segundo a corporação, dois dos acusados também participaram de outro homicídio, no qual um homem foi morto espancado e esfaqueado, no dia 9 de abril de 2021. Marcos Henrique Baldasin, conhecido como Marquinhos, morreu no dia seguinte.
De acordo com a Deic, os dois crimes ocorreram no bairro Boa Esperança. No dia 10 de abril, o trio foi preso com 92 porções de cocaína e R$ 430 em espécie. No mesmo dia, segundo a polícia, dois deles confessaram que são os autores do homicídio de Marquinhos, e alegaram que agiram em legítima defesa.
Durante a prisão, as equipes também localizaram com dois suspeitos um paletó, uma gravata, um molho de chaves e um lenço, todos pertencentes a Madalena, que foram reconhecidos por seus familiares, informou a Deic.
Na época, a Deic investigava uma denúncia informal de que Marquinhos teria sido executado porque estava comentando pelo bairro que dois dos presos seriam os autores do assassinato de Madalena. Não foram divulgadas atualizações sobre essa apuração.
Sala da casa onde a ex-vereadora Madalena foi encontrada assassinada em Piracicaba
Felipe Boldrini/EPTV
Família cobra justiça
Familiares de Madalena encomendaram camisetas com a foto dela e com uma mensagem para cobrar justiça no caso.
A intenção é usar essas camisetas no dia do júri popular, que está marcado para as 9h do dia 19 de novembro, no Fórum de Piracicaba.
Quadro com foto da ex-vereadora Madalena encontrado quebrado na casa dela, em Piracicaba, após assassinato
Felipe Boldrini/EPTV
Primeira vereadora travesti
Madalena foi eleita vereadora nas eleições de 2012, quando recebeu 3.035 votos e teve o segundo melhor desempenho do PSDB nas eleições. À época, ela já somava 25 anos como líder comunitária e era considerada um ícone na cidade.
Madalena trabalhou desde a adolescência como cozinheira e faxineira em casas de família e repartições públicas. Como líder social, foi presidente do centro comunitário do bairro Boa Esperança e foi candidata a vereadora quatro vezes (1988, 2004 e 2008 e 2012), obtendo os votos suficientes para se eleger no último.
"Quando me olho no espelho eu vejo um homem corajoso", disse Madalena ao experimentar o terno para posse na Câmara em Piracicaba
Thomaz Fernandes/G1/Arquivo
Madalena ficou famosa em Piracicaba pela irreverência e pelo visual: negra, com quase 1,80 metro de altura, nasceu em um corpo masculino, mas já usava roupas femininas desde adolescente. Quando questionada sobre ser chamada de travesti, gay, homossexual, ele ou ela, disse que sempre quis ser conhecida por seu trabalho comunitário, e resolveu usar terno na posse de vereadora.
"Para mim tanto faz a maneira como me chamam. Quando eu me olho no espelho, vejo um homem de muita coragem. Vou usar terno e gravata na posse e quando precisar durante as reuniões. Ainda não sei se vou usar meus lenços ou fazer tranças no cabelo, mas vou continuar a ser a mesma Madalena de sempre", disse à época, enquanto escolhia o modelo para a posse.
Ela passou a ser chamada por Madalena quando tinha 15 anos, já assumida como homossexual. "Eu trabalhava de faxineira com a minha mãe em uma república chamada 'Canecão' e os moradores fizeram um concurso para escolher um nome de mulher para mim. Aí ganhou Madalena. Eu gostei e ficou o nome", contou.
ARQUIVO: Madalena experimenta terno antes da posse como vereadora de Piracicaba
Thomaz Fernandes/G1
No início de 2016, Madalena pediu afastamento da Câmara por motivos de saúde. Ela informou ao g1, à época, que foi diagnosticada com câncer de próstata. O primeiro suplente, Gilmar Tano (PSDB), assumiu o posto interinamente.
Nas eleições seguintes, ainda em 2016, ela desistiu da candidatura à reeleição. A decisão foi informada por meio de carta, enviada à presidência do partido tucano. Ao g1, a parlamentar apontou problemas de saúde e agressões racistas e homofóbicas sofridas nas redes sociais durante a gestão no Legislativo como alguns dos motivos para não continuar na carreira política.
A trajetória de Madalena será tema de um documentário que está em andamento. Segundo a equipe de produção, a finalização dele será retomada em 2026. Para acompanhar novidades, as páginas nas redes sociais são @madalenaodocumentario.
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